“Deixar você em paz! Tudo bem, mas como eu posso ficar em paz? Não precisamos que nos deixem em paz. Precisamos realmente ser incomodados de vez em quando. Quanto tempo faz que você não é realmente incomodada? Por alguma coisa importante, por alguma coisa real?”
O charme de Fahrenheit 451, e o que o diferencia das outras obras do gênero, é que este é considerado uma distopia unicamente pela forte opressão anti-intelectual, de forma que o que conta aqui não é a alta tecnologia (bem pouco explorada) ou aquecimento global ou guerras nucleares… O que a classifica é a vitória da camada social ignorante e o reinado dela sobre as outras pessoas.
A trama segue o personagem Montag, um bombeiro em uma sociedade que execra livros e qualquer sinal de intelectualidade. A massa tornou-se fútil e efêmera, e Montag se pega no fogo cruzado ao questionar seus valores.
É uma heresia querer compará-lo com Orwell ou Huxley (infinitamente superiores), já que ele poderia ter feito algo muuuito melhor com esse conceito da vitória da imbecilização e a condenação dos livros. Na verdade, tem-se a impressão de que Bradbury tinha nas mãos uma ótima ideia (e tinha mesmo) e construiu um romance em volta dela puramente para explorá-la, de forma que tudo fica meio superficial. Os impulsos do protagonista são meio estúpidos e todo o clímax poderia ter sido evitado e já colado no final (Montag cavou sua própria cova só por motivos de plot). Não apenas isso, mas o livro teria sido BEM melhor se tivesse acabado umas 50 páginas antes e evitado um final absolutamente nada convincente. Outro ponto bem negativo é a maneira como as coisas simplesmente PLAU! aparecem com uma explicação totalmente nada a ver. Quer dizer que no começo ele queimava os livros e aí cometeu o grande crime de roubar um. Mas então porque gastar tensão criando essa ideia se depois é revelado que ele já havia roubado vários? É totalmente contraditório à tudo o que o personagem sentia no começo do livro. Por falar em não convincente, aí vem o personagem Faber com o seu incrível walkie-talkie q ele convenientemente olha só, tira do nada, assim metendo mais o louco do que o Tite Kubo fez em Bleach.
O teor conservador do posfácio é uma afronta à qualquer pessoa com o mínimo do bom-senso, extremizando fantasiosamente a luta das minorias por algum papel representativo na sociedade. Bradbury (que não conseguiu aguentar o recalque de ter uma peça negada por só ter personagens masculinos) simplesmente aponta os oprimidos e as minorias como causadores daquela distopia que ele inventou, quando na verdade a luta pra moldar uma sociedade melhor vem transformando o nosso mundo hoje, através da empatia. Vamos dar um desconto nesse discurso imbecil pelo livro ter sido escrito nos anos 50, mas não nos esqueçamos que em 2016 ainda tem gente elogiando essa ideia. Então quando alguém diz que é um livro incrivelmente atual, sim, infelizmente é verdade.
Bom, não é um desperdício tão grande de páginas porque pelo menos o Truffaut pôde fazer um filme legal baseado nele, em 1966. O ponto mais alto de todos, sem dúvidas, é o título (451 graus Fahrenheit é a temperatura em que o papel entra em combustão, uma sacada ótima). Unicamente por ter uma ideia tão foda, embora mal aproveitada, Farofaheit 451 tem capas de livro incríveis (internacionais, infelizmente).
Vou dar uns 4 Gabos de nota.
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Fahrenheit 451 – Ray Bradbury
215 páginas – Editora Globo
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