Em Ancillary Justice fui apresentada a um mundo complexo, com uma protagonista não humana, negra, e num império onde o gênero não faz diferença.
Sinopse: They made me kill thousands, but I only have one target now. The Radch are conquerors to be feared – resist and they’ll turn you into a ‘corpse soldier’ – one of an army of dead prisoners animated by a warship’s AI mind. Whole planets are conquered by their own people. The colossal warship called The Justice of Toren has been destroyed – but one ship-possessed soldier has escaped the devastation. Used to controlling thousands of hands, thousands of mouths, The Justice now has only two hands, and one mouth with which to tell her tale. But one fragile, human body might just be enough to take revenge against those who destroyed her.
E um amigo me emprestou a trilogia Imperial Radch (obrigada, Keno!). Aí, lógico que no meio da pilha sempre crescente de leituras por fazer, ignorei-a com sucesso para começar a ler. HAHAHA (desculpem, livros)
Ann Leckie, sua maravilhosa.
Quando me explicaram sobre o que era o livro, que todo o discurso era no feminino, que as personagens eram negras e que era escrito por uma mulher, foi um combo muito forte para ser ignorado. O que também me facilita na compreensão do porquê a Aleph ainda não lançou o livro, considerando que está com os direitos desde 2014 (de acordo com umas notícias que fui caçar), afinal, traduzir um livro desses vai ser um desafio tremendo.
“Radchaai don’t care much about gender, and the language they speak – my own first language – doesn’t mark gender in any way. This language we were speaking now did, and I could make trouble for myself if I used the wrong forms.”
Ancillary Justice, p. 3, Ann Leckie
Imaginar um mundo no qual existem sim gêneros, mas eles não importarem de tal forma que não é necessário no seu discurso separar ‘ele’ de ‘ela’ é incrível. E ainda mais fantástico é explorar que, por mais que no império Radch isso aconteça, em outros mundos não é bem assim. E a nossa protagonista passa uns perrengues enormes por não conseguir distinguir pessoas ‘masculinas’ de ‘femininas’ nos mundos onde se distingue tais questões na fala.
“She blinked, hesitated a moment as though what I’d said made no sense to her. ‘I used to wonder how Radchaai reproduced, if they were all the same gender.’
‘They’re not. And they reproduce like anyone else.’ Strigan raised one skeptical eyebrow. ‘They go to the medic,’ I continued, ‘and have their contraceptive implants deactivated. Or they use a tank. Or they have surgery so they can carry a pregnancy. Or they hire someone to carry it.’”
Ancillary Justice, p. 104, Ann Leckie
Adorei a forma como a autora vai nos guiando e explicando esse mundo diferente sem gastar parágrafos inteiros explanando os pormenores de cada aspecto da vida das personagens e mundos. Já que o discurso é todo em primeira pessoa, a protagonista não precisa explicar algo que lhe é natural. Então ficamos sabendo dos costumes religiosos, amorosos, estrutura de sociedade, castas, relação de pobres e ricos, aos pouquinhos, a conta-gotas, conforme ela vai sentindo necessidade de conversar com alguém ou descrever no meio de seus devaneios. Tudo sempre muito natural.
“A dozen people stood around talking, but instant silence descended as soon as I entered. I realized that I had no expression on my face, and set my facial muscles to something pleasant and noncommittal.”
Ancillary Justice, p. 6, Ann Leckie
E afinal de contas, nossa protagonista não é humana, não tendo as necessidades e direcionamentos morais/práticos que esperamos de um. Demorei um bocado aliás pra imergir nos conceitos de inteligência artificial proposto. E nas hierarquias militares que lá aparecem. A sorte é que antes de ler, esse meu amigo me fez um briefing, passando inclusive essa imagem para me orientar em relação a termos e estrutura. A protagonista era uma nave. Uma nave inteira. Com sua consciência expandida para vários corpos, soldados humanos que serviam de invólucro para a consciência da máquina (aliás, olha isso como questionamento moral heeein, a autora vai perpassando isso de forma linda no livro, até que ponto está tudo bem você manter um corpo vivo, e então suprimir sua consciência para que uma máquina possa usá-lo? Só porque a pessoa é dita “não civilizada” isso se torna válido? Você matou aquela pessoa, afinal de contas.).
É realmente um desafio criar uma personagem não humana e com uma noção de consciência que foge de tudo que tenhamos a experiência. Como descrever essa possibilidade de estar em tantos locais ao mesmo tempo e ainda ser você? Há momentos em que a comunicação entre os corpos é interrompida, e ainda assim, mesmo separada, ela ainda é todos aqueles corpos. Que tem emoções, pensam, calculam e se estruturam como tal. E como deve ser perder toda essa pluralidade e estar restrita a apenas um?
“Justice of Toren was gone, and all aboard it. I was not where I was supposed to be, might be unreachably distant from Radch space, or any human worlds at all. All possibility of being reunited with myself was gone. The captain was dead. All my officers were dead. Civil war loomed.”
Ancillary Justice, p. 254, Ann Leckie
A relação de Justice of Toren (o nome da nave) com a humanidade, seus limites morais, sua noção do que pode ser válido, seus vínculos emocionais com suas capitãs (afinal, na maior parte das vezes não conseguimos saber se em outro mundo aquelas pessoas são ‘eles’ ou ‘elas, apenas em alguns casos conseguimos definir os gêneros das personagens. Isso traz uma noção bem bizarra de como geralmente pensamos que todos são ou homens ou mulheres e aí, quando descrevem por exemplo a ‘barba’ de alguém, nossa construção de imagem dessa personagem é completamente destruída. HAHAHA), tornam algumas falas dela impressionantes. Como uma visão do humano fora do humano.
“Thoughts are ephemeral, they evaporate in the moment they occur, unless they are given action and material form. Wishes and intentions, the same. Meaningless, unless they impel you to one choice or another, some deed or couse of action, however insignificant. Thoughts that lead to action can be dangerous. Thoughts that do not, mean less than nothing.”
Ancillary Justice, p. 247, Ann Leckie
Eu teria que gastar infinitos posts para falar de tantos aspectos da história quanto passam na minha mente (por exemplo, quantos ‘a’s tem os nomes das pessoas, meu deos… Mianaai, Skaaiat…), como me apeguei à Tenente Awn (o nome dela poderia ter vindo de “aaaaaawnnnnn”, porque sua MARAVILHOSA!); como não consegui definir meus sentimentos sobre Mianaai (aliás, achava que era uma mulher até me dizerem o contrário, isso acabou com a imagem que eu tinha del’a’); como já quis correr pra começar o segundo livro, mas me controlei; sobre como fiquei um tempo considerável tentando sacar se Seivarden era homi ou molier, e ficava adicionando e retirando uma barba mental; sobre como os ‘alienígenas’ são super bem construídos e desvinculados de nossa visão de humanidade; sobre como é genial gênero não ditar as relações humanas em Radch; sobre como a relação deles com a religião e diversos deuses (ou apenas um) é quase um estudo de caso; sobre como esse livro é uma reflexão maravilhosa sobre civilização e autoritarismo. Mas não vou. O texto já está gigante. Vou guardar mais para depois.
A única coisa que tenho a dizer para terminar é: Aleph, me chama pra dar um help nessa tradução, sua linda!!! HAHAHA E que quem consegue ler em inglês, não perca tempo e vá correndo ver a vingança de Justice of Toren e se apaixonar pela Tenente Awn (e ficar com vontade de tomar chá, porque nossa, como as pessoas de Radch tomam chá).
Ps.: Como bônus, olhem essas capas lindonas com Breq/Justice of Toren e Seivarden e Mianaai
Ancillary Justice
Autora: Ann Leckie
Editora: Orbit
Páginas: 432
Link do Skoob
Amei a sua resenha! Esse livro parece ser incrível e eu já super quero ler. Muito obrigada por compartilhar!
lepapillonmds.com
Obrigaaada, Maiariane!!! <3
Ele é realmente incrível 😀 Vai adorar ^^