Se o desejo é o que fecha o círculo entre o mundo e a vontade, então o círculo fechou.
Seis pessoas recebem o telefonema de um velho amigo de infância convocando-os a voltar para a cidade de Derry e finalizar o trabalho que eles começaram 27 anos atrás: Matar a coisa misteriosa que assassina crianças e se alimenta do medo delas.
Diferente do que se imagina, o poder de Stephen King em escrever não está no terror, mas nos feels. É nas cenas de amor, amizade, carinho e infância que ele se destaca. Estamos lidando aqui com crianças de verdade, crianças que fumam, xingam, crianças capazes de rir e sentir pavor. Jamais li um livro (ou vi em qualquer outra mídia) crianças tão reais e talvez por isso seja tão fácil se apegar aos protagonistas. De repente você simplesmente os ama a todos. (Vale dizer que os palavrões e xingamentos deles são um fanservice muito bem-vindo).
Como It é uma ficção muito completa, Stephen (diferente de Murakami) nos dá muito mais do que respostas. Depois de 1000 páginas, temos até capítulos com o P.O.V. da Coisa. As crianças descobrem o que a Coisa é, de onde surgiu, por que se comporta dessa forma.
It tem uma relação interessante com as questões sociais já que a maldade da Coisa acompanha o horror dos tempos em questão, logo, faz sentido que ela opere nas mentes das pessoas adultas através do ódio da época. Em uma parte é um reflexo das décadas anteriores: Stephen denuncia a violência contra a mulher e também a homofobia, escancara-os aos leitores, mas infelizmente, em momento algum toma um posicionamento, nem mesmo no seu tom de voz como narrador. No que tange ao racismo, entretanto, It é surpreendentemente poderoso. Boa parte da desgraça de tempos anteriores em It envolvem situações muito reais e muito viscerais de racismo, como o incêndio do Clube Black Spot e a perseguição que Mike sofre por parte de Henry (uma perseguição que foi passada de pai para filho no caso dos dois). A maior parte desses casos de racismo é narrada nos Interlúdios de um Mike já adulto e são um verdadeiro show à parte.
O filme atual foi adaptado, infelizmente, como uma versão pequena de terror de palhaço e foi ignorada toda a substância bizarra, alienígena e incompreensível que a Coisa realmente é, o ritual, a tartaruga que deu origem ao universo, o incompreensível horror cósmico. Talvez apenas Stanley Kubrick, depois de dirigir 2001: Uma Odisseia no Espaço, conseguisse filmar A Coisa como ela realmente é. No fim prevalece o ditado que vale para quase todos os longa-metragens de hoje em dia: O filme é divertido, mas leiam sim o livro. É uma experiência absurdamente diferente.
PS: A famosa e bizarra cena da orgia infantil é explicada e tem suas razões de existir, sim, e vai muito além de um coming of age, porém não, ela não era necessária, não daquela forma. E também não é nem de longe o mais bizarro dos momentos de It.
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It – A Coisa – Stephen King
1103 páginas – Suma de Letras
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