Será que estamos vivenciando o último voo do flamingo? Nesse livro de Mia Couto, senti vivenciar toda a cultura, história, humor e crítica política e me surpreender com uma escrita deliciosa de ler…
Sinopse: Depois da guerra da Independência e dos anos de guerrilha, Moçambique vive um momento de reestruturação social e de reorganização das forças políticas. Na pequena vila de Tizangara, um rapaz negro é nomeado tradutor oficial a fim de recepcionar um italiano, integrante das forças de paz da ONU. O estrangeiro vai a Tizangara investigar estranhos acontecimentos que deixaram a população local aturdida: soldados das Nações Unidas começaram a explodir. Acompanhado do tradutor, o europeu terá de se entregar de corpo e alma à terra africana para desvendar o enigma das explosões.
Neste romance divertido e de grande força humana desfilam personagens como o padre Muhando, a prostituta Ana Deusqueira e o feiticeiro Zeca Andorinho, numa trama em que está em jogo o destino de todo um país – e talvez de todo o continente.
Esse foi o primeiro livro de Mia Couto que li, e depois de lido, não sei porque demorei tanto pra pegar um dele. Foi o que resolveu minha ressaca literária de Persuasão, embora esse não tenha me deixado com ressaca, mas sim uma vontade de ler todos os outros dele.
A escrita dele, o ritmo da leitura, tudo compõe um conjunto maravilhosamente escrito. É um livro que dá pra ler em 1 dia, como estava correndo que nem uma desesperada, levei 3 HAHA
“A administratriz de novo se interpôs, deixando invisível o esposo. Falava ajeitando o turbante e sacudindo as longas túnicas. Ermelinda clamava que eram vestes típicas da África. Mas nós éramos africanos, de carne e alma, e jamais havíamos visto tais indumentárias.”
O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 19
O que achei mais interessante foi quão delicadas e sutis as críticas foram posicionadas no livro, como uma realidade que deveria ser vista por todos, mas que por comodidade a gente releva e deixa passar. As situações políticas onde países ditos de primeiro mundo vão “trazer a paz” para os que estão em situação precária, como isso também se tornou um mercado viável. E a habilidade dele de trazer 500 opções de palavras para um significado, como ocorre quando trata dos órgãos dos soldados explodidos, senti um Guimarães Rosa naquele momento haha
“- Mas pai, esse italiano nos está ajudar.
– A ajudar?
– Ele e os outros. Nos ajudam a construir a paz.
– Nisso se engana. Não é a paz que lhe interessa. Eles se preocupam é com a ordem. O regime desse mundo.
– Ora, pai…
– O problema deles é manter a ordem que lhes faz serem patrões. Essa ordem é uma doença em nossa história.”O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 188
É um livro que transpira cultura, transpira história e realidade de uma forma bem humorada e delicada, é quase uma poesia em prosa.
“- Com o devido respeito, Excelências: é se chamássemos Ana Deusqueira?!
– Mas, essa Ana, quem é? – Inquiriu o ministro.
Vozes se cruzaram: como se podia não conhecer a Deusqueira? Ora, ela era prostituta da vila, a mais competente conhecedora dos machos locais.”O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 26
Ele consegue misturar as crenças, as lendas, com uma realidade da terra local, e mesmo essa mistura de folclore e “realidade” são feitas de forma tão natural, como deveria ser sempre que analisamos a cultura de qualquer lugar que seja, e não com olhos ocidentais e ditos civilizados.
“O confronto ficou-se por ali. Porque os estrangeiros rodearam a prostituta, fungando da intensidade dos seus aromas. A delegação se interessava: seria zelo, simples curiosidade? E pediram-lhe documentos comprovativos da sua rodagem: curriculum vitae, participação em projetos de desenvolvimento sustentável, trabalho em ligação com a comunidade.”
O último voo do flamingo, Mia Couto, pg 29
O último voo do Flamingo
Autores: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 232
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Sou do tipo que se pergunta por qual motivo não li um Mia Couto até hoje. Pois é, ainda não o fiz. Vejo “O Último Vôo do Flamingo” ser leitura obrigatória no vestibular daqui e me angustio um pouco, pois as leituras obrigatórias me deprimem exatamente por serem o que são: uma obrigação. Certeza de que é isso que me barra. Até já vi o Mia por aqui, em Salvador. Ele sempre está por aqui.
Abraços.
Nossa, nem sabia que Mia Couto estava na lista dos vestibulares!
O fato delas serem uma obrigação me tira um pouco a esperança de que isso incentive a leitura a longo prazo, mas…
Eu comecei a ler por acidente, me entregaram o livro na mão com a frase “não sei se é bom, quer ler?” e fui lendo, lendo e lendo, e adorei 🙂
Vale a pena se deixar ler Mia Couto, Nina! 😀
Abs!