“É questão de certo interesse perceber que as artes populares dos EUA da virada do milênio tratam a anedonia e o vazio interno como coisas descoladas e cool. De repente são vestígios da glorificação romântica do Weltschmerz, que significa estar cansado do mundo, ou um tédio elegante. De repente é o fato de que quase todas as artes aqui são produzidas por gente mais velha cansada do mundo e sofisticada e aí consumida por pessoas mais jovens que não apenas consomem arte mas a examinam em busca de pistas de como ser chique, cool – e não esqueça que, para os jovens em geral, ser chique e cool é o mesmo que ser admirado, aceito e incluído e portanto assolitário. Esqueça a dita pressão-dos-pares. É mais tipo uma fome-de-pares. Não? Nós estamos em uma puberdade espiritual em que nos ligamos ao fato de que o grande horror transcendente é a solidão, fora o enjaulamento em si próprio. Depois que chegamos a essa idade, nós agora daremos ou aceitaremos qualquer coisa, usaremos qualquer máscara de tédio e de ironia cínica ainda jovens, quando o rosto é maleável o suficiente para assumir a forma daquilo que vier a usar. E aí ele se prende ao rosto, o cinismo cansado que nos salva do sentimentalismo brega e do simplismo não sofisticado. Sentimento é igual a simplismo neste continente (ao menos desde a Reconfiguração). (…) Hal, que é vazio mas não é besta, teoriza privadamente que o que passa pela transcendência descolada do sentimentalismo é na verdade algum tipo de medo de ser realmente humano, já que ser realmente humano (ao menos como ele conceitualiza essa ideia) é provavelmente ser inevitavelmente sentimental, simplista, pró-brega e patético de modo geral, é ser de alguma maneira básica e interior para sempre infantil, um tipo de bebê de aparência meio estranha que se arrasta anacliticamente pelo mapa, com grandes olhos úmidos e uma pele macia de sapo, crânio enorme, baba gosmenta. Uma das coisas realmente americanas no Hal, provavelmente, é como ele despreza o que na verdade gera a sua solidão: esse horrendo eu interno, incontinente de sentimentos e necessidades, que lamenta e se contorce logo abaixo da máscara vazia e descolada, a anedonia.”
Essa foi maior rapidinha já escrita. Ela devia se chamar demoradinha.
Mas como escrever uma resenha rapidinha de um livro de 1200 páginas? Como ser superficial com um livro tão denso, em todos os sentidos? Foi necessário um mês e meio contados (e uma semana de descanso) para acabar o maior e mais fascinante livro que eu já li.
É simplesmente genial, do começo ao fim.
O livro começa absolutamente confuso: David Foster Wallace utiliza os primeiros cinco capítulos pra acostumar o leitor com a sua maneira de lidar com a cronologia, gramática-de-manual-de-instalação-de-eletrodomésticos, uso de notas e pontos de vista de personagens diferentes. Você se acostuma com a tensão crescente, as palavras abreviadas e cheias de siglas, os capítulos que terminam de forma abrupta na “melhor parte” e aprende a gostar disso porque está no mundo dele agora. Depois a leitura vai mais devagar e confiante, apresentando dezenas de personagens secundários e pequenas respostas que aos poucos te situam no mundo distópico de Graça Infinita enquanto passeia por temas como separatismo, drogas, depressão e suicídio, incestos, abuso sexual/psicológico, pais ausentes, família, filmes, teoria do entretenimento, alienação, tênis (tanto como esporte como atividade metafísica), comunicação, liberdade, amor. Tudo. TUDO. Tudo no maior e mais maravilhoso exemplo do pós-modernismo e maximalismo literário que já existiu.
É necessário ter um pouco de paciência (e perseverança) para desvendar aquela sociedade estranha, os anos subsidiados, a mentalidade das crianças, a cor azul (citada incessantemente durante o livro inteiro). Mas aos poucos você vai entendendo e sendo absorvido pela trama. E percebendo que nada ali é gratuito. Todos os elementos básicos da história simbolizam algo e se repetem ciclicamente, numa narrativa repleta de situações originais e absurdas, uma mais louca que a outra. É um livro que se supera um parágrafo de cada vez. Lembrando que a melhor parte do livro jamais foi realmente escrita. Você acha que não tem um final, mas tem sim. Há dicas que levam ao único final possível. E ele se desdobra conseguindo, como desde o início, superar a si mesmo. E pior: Quando você relê o início, percebe que este é um pedaço do fim, uma confirmação desse final. O prólogo é o epílogo? Ainda não consegui decidir. Enfim, as respostas finais não foram escritas, mas elas existem, elegantemente.
Não tem como encaixar numa rapidinha a grandiosidade que esse livro é. Não se deixe enganar pelas 1200 páginas. É um desafio prazerosíssimo para quem tem a perseverança de ultrapassar as primeiras 250. (E o capítulo da Wardine). Se joga, amiga!
Enfim, eu não vou recomendar esse livro, eu vou implorar para que todos o leiam. Isso não é literatura básica pra fugir da sua realidade diária. Isso significa salvar vidas, conversar com Deus. Esse livro é a nossa resposta. Davi Faustão Valácio sabia a resposta!
É a nossa única esperança como seres humanos.
LEIA!
Graça Infinita explodiu o Medidor de Gabos com aquele capítulo do Eskhaton. E, mas, então, não sobrou nada.
Saiba mais no Skoob
Graça Infinita – David Foster Wallace
1136 páginas – Companhia das Letras
Notas e Ajudinhas:
– O fim?
Se você já leu, aqui tem um spoiler bacana pra ajudar a entender o final.
MAS ESTEJA AVISADO: ESSE SPOILER PODE ACABAR COM TODA A GRAÇA DE LER GI.
Conselho: Relaxa, cara. Tome seu tempo. Só leia. Vai valer a pena. <3
– Como Ler?
A edição da Companhia das Letras é maravilhosa (In Galindo we trust), mas ela é bem frágil, não foi feita pra aguentar um dia sequer em uma mochila.
Conselho: Baixe a versão epub e leia no celular. Ela vai te ajudar com as notas. Ao chegar em casa depois de um dia de leitura, atualize o marca-páginas no livro físico. É uma mão na roda para as notas, já que até elas tem notas. Isso não é gratuito, é uma estratégia literária utilizada para afastar o leitor da empatia com o personagem (o tempo inteiro você é lembrado de que está mesmo lendo um mero livro). O resultado é surpreendente. Sério.
Conselho 2: NÃO PULE AS NOTAS (Elas são mais do que essenciais. Elas são uma parte do livro per se).
– Leitura Adicional?
Se para você, como para mim, 1136 páginas não foi o suficiente, recomendo o livro Elegant Complexity, que você pode comprar aqui e baixar aqui. É um estudo comentado (o melhor dentre os vários dicionários de Graça Infinita espalhados na internet) que analisa toda a obra e revela todos os easter eggs também.
Chuchu beleza.
O melhor livro que já li, decerto!
Outra coisa que merece destaque é que o livro é meio feito de e para “intelectuais descolados”, “nerds doidões”, “hipsters”; ou seja lá como queira chamar.
O que quero dizer é, o livro tem um vocabulário erudito mesclado com vulgaridade e oralidade da cultura pop e submundo. Os mais jovens (menos de 40) vão adorar isso! Abs.
A maneira como ele é escrito é sensacional!!! E eu já marquei uma releitura pra 2017. hahahah