“Douglas ficou naquela posição por um minuto inteiro, esperando que o som da correria desaparecesse, mas ele não parava. John ainda estava correndo, mas não parecia se afastar, pensou Douglas. Por que ele não parava de correr? E então Douglas percebeu que era só o som do coração em seu corpo. Pare! Ele levou a mão ao peito. Pare de correr! Eu não gosto desse som!”
O verão de 1928 em uma pequena cidadezinha do interior americana, aos olhos de um garotinho e seu irmão mais novo.
Publicado 4 anos após Fahrenheit 451, Licor de Dente-de-Leão consagra Ray Bradbury como um escritor de verdade: Através de metáforas cativantes (depois que você se acostuma) e uma maneira apaixonada de escrever, ele acaba te conquistando ao transformar banalidades em poesia. Só faltou história.
O livro não poderia ser maior: Fastidioso e sem atrativos, Bradbury busca a inocência e a ternura da sua própria infância, infelizmente de uma maneira nada sincera. O mundo de licor de dente-de-leão é fantasioso e inexistente, impossível até para os padrões de um verão de 1928. As crianças são adultas como numa novela da Globo, e seguem um script digno de filme natalino da sessão da tarde. Tudo casa muito bem com o melodrama sem filtro, quase um implorar para que o leitor diga “awwnnn” a cada página. A fórmula da morte dos personagens idosos aos poucos fica cansativa e inconclusiva.
Há um apelo interessante no livro pelo conservadorismo cultural: Uma ojeriza ao progresso, um ode ao clássico. Ao invés de progredir na ideia, no entanto, Bradbury só volta a bater na mesma tecla de que aqueles sim eram os bons e velhos tempos, e que jamais deveriam terem sido trocados os bondes por ônibus ou terem sido trazidas as grama sintéticas que tiram do homem o prazer do suado trabalho pesado. Por um momento achei que o livro iria se salvar: Todo o melodrama e o script demasiadamente açucarado ia se resolver quando Doug morresse, havia um intuito, o leitor se apegaria tanto àquela inocente criança e teria isso arrancado de si. Mas foi uma esperança vã, o capítulo da doença não passou de um capítulo como qualquer outro, sem clímax real, sem emoção, sem nada. Apenas o bom e velho ode ao bom e velho.
Esse Anos Incríveis sem a trilha sonora e os momentos românticos ou emocionantes, sem plot twists ou reviravoltas, pode agradar algumas pessoas, mas como pra mim foi um tédio sem fim, darei uma nota 4, conquistada unicamente pela escrita confiante e episódica, que foi utilizada na perfeita medida para a história. Esse bruxo sabe escrever, isso é verdade.
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Licor de Dente-de-Leão – Ray Bradbury
266 páginas – Bertrand Brasil
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