Creta, um escritor, um homem que vive plenamente, trechos absurdamente incríveis e um autor que foi um prazer conhecer, Vida e Proezas de Aléxis Zorbás me deixou sem palavras (mas com o suficiente pra uma resenha hue)
Sinopse: O relato em primeira pessoa de um intelectual frustrado por ter levado uma vida até então totalmente dedicada aos livros e à escrita. Provocado por um velho amigo, decide lançar-se em uma viagem para explorar uma mina na ilha de Creta, a fim de conviver com homens simples, operários e camponeses. Enquanto espera o navio que o levaria à ilha, conhece um senhor vibrante, primitivo; sua linguagem é simples, e quando as palavras não são suficientes, é através da música e da dança que se expressa.
Com uma narrativa ora bem-humorada, ora dramática, o autor grego, indicado nove vezes ao Prêmio Nobel de Literatura, celebra a amizade, a liberdade, expressa angústias e sua visão de mundo. Por esta obra, teve sua presença consolidada entre os grandes autores do século XX. (Sinopse da quarta capa)
Só com essa sinopse quase que não precisava de resenha creio. HAHA Mas aqui estou. Li esse livro por conta de ser a edição de Janeiro desse ano da TAG. Achei por bem começar na ordem do ano, mesmo que já estejamos em novembro, hihi.
O que gosto da TAG é que vem a revista junto, então consigo me preparar pra cair de cabeça no livro já com embasamento. Então fiquei sabendo um pouco da Grécia, da cultura (já que às vezes nos focamos demais na Grécia antiga e esquecemos que ela ainda está aí haha), de vários autores e autoras incríveis esperando pra serem lidos e corretamente pronunciados (minha nossa, gente, que dificuldade). Veio até com uma playlist com santir, o instrumento tocado por Zorbás. A edição, como sempre é impecável e o projeto um xuxu.
Agora… a escrita desse homem, pessoas…
“- Zorbás, por que Vossa Senhoria não escreve, explicando-nos todos os mistérios do mundo?
– Por quê? Porque eu vivo de fato todos os mistérios, então não tenho tempo. Uma hora é o mundo, noutra a mulher, noutra o vinho, noutra ainda o santir, não tenho tempo para pegar nessa asneirenta da caneta. Foi assim que tudo caiu na mão dos escrevinhadores: aqueles que vivem os mistérios não têm tempo, aqueles que têm tempo não vivem os mistérios. Entendeu?”
Vida e Proezas de Aléxis Zorbás, Nikos Kazantzákis, p. 265-266
Pensar que ele escreveu tudo isso passando fome durante a segunda guerra mundial é simplesmente absurdo. É uma ode à amizade, ao masculino (é um livro extremamente masculino, até na revista e no sobre o autor no final ambas tradutoras mencionam o caráter machista do livro), à vida, às cores, nostalgia, e por que não, a Deus.
“Se dissessem “Hoje nasce a luz”, o coração do homem não se comoveria, a ideia não se converteria em lenda e não conquistaria o mundo, continuaria a ser um fenômeno normal e natural, sem revolucionar a imaginação, isto é, nossa alma. Mas a luz que nasce no coração do inverno tornou-se uma criança, a criança tornou-se Deus, e há vinte séculos que a alma a segura no colo e a amamenta…”
Vida e Proezas de Aléxis Zorbás, Nikos Kazantzákis, p. 148
O que é maravilhoso é como as personagens são humanas. Zorbás é capaz de coisas maravilhosas, mas também de coisas incoerentes, de ser insensível, de ser sensível demais, de ser um completo babaca, de ser uma alma pura… tudo. Bem como o anônimo protagonista, que nas amarguras e melancolias tenta aprender um pouco do que é viver como Zorbás.
Todas as personagens são humanas, legais e horríveis, boas e escrotas. Algumas mais escrotas que outras, mas nada além do que já sabemos existir. Nada forçado. É tudo muito coerente.
É um livro extremamente filosófico, o protagonista disserta longamente sobre o que entende da vida e usa Zorbás pra essa exata função sempre que pode.
“Eu não falava. Ouvindo Zorbás, eu sentia renovar-se a virgindade do mundo. Todas as coisas cotidianas e descoradas retomavam o brilho que tinham nos primeiros dias, quando saíram das mãos de Deus. A água, a mulher, a estrela, o pão, retornavam à sua primitiva fonte misteriosa, e a roda divina retomava impulso no ar.”
Vida e proezas de Aléxis Zorbás, Nikos Kazantzákis, p. 73
É lindo. Simplesmente lindo. A escrita dele é incrível. Os trechos também são. E ver um cenário diferente como Creta tomar forma é uma experiência.
Agora, senti e muito o que as tradutoras comentaram. As personagens femininas são fraquíssimas. Nenhuma delas tem uma profundidade necessária o suficiente. Temos momentos excelentes com Madame Hortense, com eles encarando a vida vivida dela de forma até que tranquila. Mas ela acaba sendo uma velha que no fundo só queria casar e ter filhos (não é exatamente spoiler, é mais uma faceta de quem ela é. 🙂 ). A viúva é outra que tem um potencial enorme… mas que acaba não sendo muito explorado e se torna recurso narrativo.
A especialidade do autor nesse livro, pelo que senti, são as personagens masculinas. Sem sombra de dúvida. Todas tem uma profundidade magnífica, nuances, discrepâncias, é uma viagem ao mundo masculino, mesmo que restrito à época e cultura do autor, que é aprofundada ao máximo.
E foi uma leitura simplesmente maravilhosa.
Vou terminar com esse trecho, porque não faz sentido eu ter a última palavra sobre esse livro:
“Eu não sabia. Sabia muito bem o que seria destruído, mas não sabia o que seria construído sobre os destroços. Isso ninguém pode saber com certeza, eu pensava. O antigo é palpável, consolidado, nós o vivemos e combatemos a todo o instante: ele existe. O porvir ainda não nasceu, não podemos pegá-lo, ele é fluido, feito do material com que são moldados os sonhos. É uma nuvem golpeada por fortes ventos – o amor, a imaginação, o acaso, Deus – rarefaz-se, adensa-se, transforma-se… e mesmo o maior profeta somente pode dar um sinal aos homens e, quanto mais impreciso o sinal, tanto maior o profeta.”
Vida e proezas de Aléxis Zorbás, Nikos Kazantzákis, p. 85
Vida e Proezas de Aléxis Zorbás
Autor: Nikos Kazantzákis
Editora: TAG Livros da edição da Grua Livros
Páginas: 384
Link no Skoob
ps.: preciso assistir Zorba, o Grego agora.
Fica a dica das nossas fotos no Insta e dos trechos do livro no Tumblr. <3
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